Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004)
Director: Michel Gondry
IMDb: 8,4
Eternal Sunshine of the Spotless Mind está repleto de analepses que nos norteiam através de fragmentos de memória de Joel (Jim Carrey), é a partir disso construída a narrativa principal. Michel Gondry opta por planos originais que se aliam a uma luminosidade igualmente pouco convencional, especialmente quando o espectador é arremessado para os flashbacks. A equipa de montagem deve ser felicitada pelo seu bom trabalho, pois algumas cenas têm um ritmo que transparece agitação e movimento, acompanhadas na perfeição com a sonoridade e planos de 1 segundo e até menos, forçando o espectador a sentir a ansiedade, alegria, inquietação à qual as personagens - especialmente Joel - estão entregues.
Abordar um tema tão abstracto como a eliminação selectiva de memórias torna-se menos complicado com a vertente de ficção científica do filme, em que a realidade possibilita essa escolha. O argumento fortalece-se, com uma ficção científica que sabe a quase-humana, quase-possível, quase-a-realidade. “Se tivesses meios para apagar determinada pessoa e todos os momentos partilhados, fá-lo-ias?” Esta é uma dúvida pertinente e com a qual somos confrontados no decorrer do filme.
Dentro da secção de analepses há dois géneros: para o passado-presente e para o passado-passado. Joel encontra-se com uma mulher que o intriga num comboio, depois de um acto completamente irracional por parte deste; aqui estamos no presente e só nos voltamos a encontrar nele no fim do filme. Cedo torna-se clara a percepção que a acção não se passa sempre no mesmo tempo e começamos a contextualizar as diferentes situações nos diferentes períodos.
Joel Barish é introvertido, maturo e um pouco desajeitado em relações humanas enquanto Clementine Kruczynski (Kate Winslet) é expansiva, impulsiva e espontânea. Dois opostos de personalidade que colidem de frente e deixam danos um no outro. Joel decide fazer o mesmo, depois de descobrir que Clementine lidou com o assunto optando pelo caminho do esquecimento, consentido por ela e facultado por outros.
Depois de procurar este serviço e aceitar as condições, Joel acaba por ser submetido às intervenções necessárias. Este entra numa viagem mental, revisitando/revivendo as suas experiências com Clementine. Nesse momento, Joel depara-se com tudo o que partilhou com a ex-namorada antes da colisão, e arrepende-se da decisão de a apagar, iniciando uma luta contra a própria mente, fugindo da intervenção e da consequente omissão da existência na sua memória da pessoa que amada.
Além da questão mais óbvia este filme explora temas como a moral e o subconsciente/inconsciente, através não só de Joel e Clementine como da equipa Lacuna, Inc., responsáveis por estas intervenções invasivas, sendo que personagens como o Dr. Mierzwiak (Tom Wilkinson), os programadores Patrick (Elijah Wood) e Stan (Mark Ruffalo), e a secretária Mary (Kirsten Dunst) influenciam os acontecimentos tanto pelo seu lado profissional como pessoal.
A metafísica é analisada de forma meio rebuscada, o que transcende a ciência é ou não intocável? Podemos apagar uma pessoa de forma indirecta mas não será possível desligar de nós aquilo que esta nos deixou, fragmentos pequenos, invisíveis e intocáveis – esta é a resposta do filme.
A juntar ao recheado de cenas inteligentes do ponto de vista ético e filosófico temos cenas inteligentes do ponto de vista humano, feitas leituras interessantes relacionadas às características psicológicas das personagens, justiçando acções e reacções emocionais, condicionadas naturalmente pelo seu passado.
Quem já viu o filme teve oportunidade de reparar na peculiaridade deste. Respeitá-lo é não o comparar a qualquer outro e esta regra prolonga-se à soundtrack. Há momentos musicais imensamente aliciantes, especialmente quando coligados com uma montagem espectacular. É dada preferência ao som sem voz e ainda assim atribuído um valor à música como em poucos filmes.
A música de Beck, cantor, compositor e multi-instrumentista americano, "Everybody's Gotta Learn Sometime", apesar de não ser o momento musical mais brilhante, é enquadrada na última cena.
É uma música simples, tanto do ponto de vista musical como lírico, sendo repetitiva está bem entregue ao final desta obra, fazendo
paralelismo com o título: “Change your
heart / It will astound you / I need your lovin' / Like the sunshine”. Brilho Eterno de uma Mente
Sem Lembranças é a tradução literal do título… A ignorância é considerada por
muitos uma bênção, a inteligência uma condenação à infelicidade e insatisfação.
Somos, em grande parte, aquilo que nos ocupa a mente, o que pensamos, o que seleccionamos para memória, e, naturalmente, o que nos esquecemos. Três grupos de pessoas não têm memória: as crianças, os doentes e os ignorantes – sendo que aqui, memória
está também associado a consciência de memória.
"Everybody's gotta learn sometime” confirma a conclusão do filme. A possível dor que a memória traz, carrega na mesma mochila o
crescimento, aprendizagem e valorização de todas as experiências. Com isto, o brilho pessoal de cada mente autêntica e humana.
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