Tiago Gonçalves
é
Nerve
Tiago é Nerve.
As aparições
públicas são escassas, as entrevistas dadas vão aparecendo, voltadas para a
música, tal como as entradas na sua página de artista no facebook. Quem tem acompanhado o seu trabalho, depois de enumerar as variadas razões pelas quais é considerado por muitos dos melhores rappers portugueses, dirá que o mistério é a sua imagem de marca.
A música
(não tenhamos dúvidas) é o que move o público, porém, o exército que foi construindo
desde 2006 com o lançamento da EP Promoção Barata e reforçado com o álbum Eu
Não Das Palavras Troco A Ordem (2008) originou uma espécie de curiosidade dos seguidores do Sacana Nervoso por descobrir um fragmento de Tiago que
não esteja já referido nas letras pessoais das várias músicas de Nerve.
Um artista
tem que dar ao seu público mais do que a sua arte? Certamente que a resposta é
um redondo não, mas a desmistificação de eventuais curiosidades servirá talvez
para que, num dia destes, possamos escrever uma biografia sobre Tiago que não sejam somente
datas que caiem no esquecimento ou 5 letrinhas, como NERVE ou como LENDA.
(Afinal o homem existe mesmo ou isto é tudo a brincar e temos que admitir a possibilidade de mito nervessista?) Ele existe e está bem vivo! Depois do lançamento do seu novo álbum 'Trabalho & Conhaque' ou 'A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança' na passada segunda-feira (28/09/2015), que tem recebido críticas para lá de positivas, outra prova de que ele é, de facto, real:
Toxic: Porquê Nerve?
Tiago: Por influência do meu irmão mais velho, em miúdo ouvi muito metal. No álbum “The More Things
Change…”, os Machine Head têm uma música chamada “Struck a Nerve”, que é uma
expressão mais ou menos equiparável a “tocar com o dedo na ferida”. Veio daí.
Foi por acaso. Se pudesse escolher hoje, escolhia outra coisa. Algo em
português, provavelmente. Em todo o caso, de uma maneira muito tosca, já
respondi a essa questão na música “À Conversa Com…”, do meu EP Promoção Barata.
Toxic: Nos últimos tempos há uma relação mais
próxima entre ti e os teus ouvintes, facilitada pelo facebook. A plateia
virtual não exige uma expansividade da tua vida pessoal mas a curiosidade em
saber quem é o Tiago por trás do Nerve intensifica-se gradualmente. A
valorização da tua privacidade enquanto Tiago permite-te uma despreocupada
expressividade enquanto Nerve?
Tiago: As redes
sociais dão-te uma noção mais clara das pessoas que te seguem, ou pelo menos
uma boa amostra. Acho que neste momento, devido a essa comunicação, alguns deles
me conhecem um pouco melhor e eu a eles. Eu gosto disso. No entanto, acho
sempre meio irónica, esta questão de eu preservar a minha privacidade e criar
um certo mistério em torno da coisa, quando passo a maioria das músicas a falar
de mim e a expor aspectos da minha personalidade, ainda que meio polidos ou adaptados.
O que não falta por aí são rappers que escrevem exclusivamente a olhar para
fora, com o compromisso de relatarem uma determinada realidade que os rodeia.
Eu passo o tempo a falar de mim. Não devia haver grande mistério.
Toxic: Habitualmente os artistas começam a ter
contacto com a criação desde muito novos. Identificaste com a regra geral ou no
teu caso foi mais tardio?
Tiago: Desde muito novo que sempre desenhei, numa base diária. Todo o meu percurso
académico foi nesse sentido. Esta história da música foi ganhando terreno, mas
gostava de um dia conseguir fazer um projecto em que integrasse com o mesmo
peso as duas áreas (música e ilustração). Comecei a escrever as primeiras
letras e a gravar umas coisas muito más em 2002, com 14 de idade. É cedo, mas
acho que é a idade habitual em que o pessoal começa. Escrevi o meu primeiro
álbum “ENPTO” no secundário. Era um puto.
Toxic: A peculiaridade do teu estilo de escrita
e flow é já notável nos primórdios do teu percurso musical. Um artista pode
criar-se com muita vontade e trabalho ou tem que ter um certo tipo de
sensibilidade que não se adquire de forma forçada?
Tiago: Eu não sei o
que é que está provado ou não, mas acredito que cada pessoa tem tendencialmente
uma função específica. Uma área qualquer para a qual tem mais aptidão. Não
acredito é que actualmente o nosso sistema faça um bom trabalho a ajudar cada
indivíduo a encontrar a sua área/função/aptidão, ou sequer a incentivar o indivíduo
a procurar sozinho. Ao mesmo tempo, quando essa aptidão é encontrada e se
ultrapassa a fase de “qual é o meu papel?”, existe uma tremenda carga de
esforço e empenho que é necessária, claro.
Toxic: Qual é a tua relação com o processo
criativo?
Tiago: As ideias
soltas, para rimas específicas, surgem de repente, sem esforço, durante o dia.
Essa parte é fácil. Aponto-as onde posso e mais tarde, em casa, registo-as no
computador, num ficheiro individual. Ficam ali plantadas dezenas de frases. A
parte mais demorada do processo é a “colheita”. Escolher uma ideia solta,
explorá-la, ver quantas ideias soltas podem encaixar-se na mesma temática. No
processo de “colagem”, surgem sempre coisas novas que acabo por incluir. Mas é
uma eternidade. A parte criativa é rápida, mas a parte técnica (de construção)
é demorada. Nem sempre é este o método, mas há várias faixas no meu álbum novo
em que o utilizo.
Toxic: O que sentes quando produzes a parte
escrita é semelhante ao que sentes em relação à produção do instrumental?
Tiago: Não. Eu produzo instrumentais quando preciso. E escrevo porque preciso. É
através da escrita que tenciono deixar alguma espécie de marca. Como acontece
no novo álbum, a minha produção de alguns instrumentais, aconteceu por
necessidade, em busca de uma sonoridade específica que tinha em mente. Foi
feito em prol da escrita, por já ter algumas letras acabadas e sem
instrumental. Dá-me gosto produzir mas não se compara à escrita. Não tenciono
ser um grande produtor de instrumentais, mas tenciono ser, no mínimo, um rapper
do caraças.
Toxic: As pessoas que admiram o teu trabalho
referem inúmeras vezes a autenticidade com que te entregas à música. Achas que
o público está pouco habituado a ouvir rap sem um género de filtragem comercial?
Tiago: Acho que os
músicos que costumam vir à tona, os que impactam massas, têm tendencialmente um
ou vários aspectos que os tornam um “bom produto”, e com isso vem atenção e
investimento. No entanto, cada vez mais, começas a ver projectos que vêm à tona
e singram sendo altamente experimentais, portanto não sei, talvez seja possível
toda a gente ficar contente um dia. Principalmente neste género, o comercial
sempre teve uma “oposição” muito marcada. Sempre houve som feito à margem do
que é mainstream. Eu não fui pioneiro nessa filtragem que falas.
Toxic: Eu Não Das Palavras Troco a Ordem (2008)
foi a tua primeira LP e passados 7 anos lanças o teu novo álbum (28/09/2015) 'Trabalho & Conhaque' ou 'A Vida Não Presta & Ninguém Merece a
Tua Confiança'. Quais dirias que são as principais mudanças, se é que há
algumas?
Tiago: Quando fiz o meu primeiro álbum era miúdo. Quase toda a minha vida adulta
se passou depois disso. Acho que isso se reflecte na escrita do novo álbum. O
tipo de temáticas e a forma como as exploro. É um álbum menos contemplativo e
mais introspectivo. Em termos de sonoridade, é menos jazzística e mais
electrónico.
Toxic: As expectativas para o último álbum -
'Trabalho & Conhaque' ou 'A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua
Confiança' (2015) – são maiores que nos restantes trabalhos?
Tiago: Quando o
primeiro corre bem, existe sempre alguma pressão extra no segundo álbum. O
facto de ter deixado passar tanto tempo entre os dois, alimentou ainda mais
essa expectativa. Mas agora que o álbum já saiu, o feedback que tenho obtido é
essencialmente positivo. Tem corrido bem, considerando as minhas expectativas.
Toxic: Futuramente podemos esperar mais regularidade
nos palcos – virtuais ou não – do hip-hop nacional?
Tiago: Quero editar
mais projectos, mais pequenos, com mais regularidade. Colaborar com outros
artistas, fazer projectos a meias, por aí. Em termos de concertos, tenciono dar
alguns, apresentar o álbum ao vivo, em condições. Mas não tenho intenção nem
personalidade para andar metido na estrada a toda a hora, então não me parece
que vá andar desesperado à procura de oportunidades para actuar. Vamos começar
com aqueles estratégicos e essenciais e depois logo se vê. Em todo o caso, vou
sempre publicar qualquer novidade em facebook.com/avidanaopresta. Até lá, é
possível ouvir e comprar o novo álbum em manoamano.pt.
Obrigado, Tiago!
Adquiram o 'Trabalho & Conhaque' ou 'A Vida Não Presta & Ninguém Merece a Tua Confiança' na página da Editora Mano a Mano
Muito boa entrevista.
ResponderEliminarMuito boa entrevista.
ResponderEliminarExcelente. Parabéns, puto. ;)
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